O importante da educação não é apenas formar um mercado de trabalho, mas formar uma nação, com gente capaz de pensar. (José Arthur Giannotti)




terça-feira, 23 de novembro de 2010

Educação e crescimento sustentável

Gabriel Chalita


Que a educação é base para o crescimento sustentável de um país, muita gente já disse e das mais diversas formas. Agora quem diz é a consultoria britânica especializada em análise de riscos, a Economist Intelligence Unit (EIU). E a conclusão é muito atual. Foi divulgada no dia 27 de julho. Segundo a agência, os outros desafios do crescimento sustentável são a infraestrutura, a inovação e o reconhecimento internacional de marcas. Só resolvendo esses “gargalos”, um país como o Brasil conseguiria manter nível constante de crescimento em torno de 5%. Um dos entraves apontados é a falta de mão-de-obra qualificada para preencher vagas cruciais nas empresas. Quase metade das companhias americanas, por exemplo, considera esse o principal desafio. Em relação à educação, no caso brasileiro, essa mão-de-obra envolve preferencialmente os professores.

A própria EIU aponta como saída o aperfeiçoamento do currículo educacional e a formação dos professores, além da priorização da educação básica. O relatório mostra, ainda, a necessidade de maior aproximação entre empresas e universidades para gerar conhecimento e inovação – o que já ocorre nas áreas ambiental e agrícola.

Para o educador, que vive em seu dia-a-dia a luta para formar cidadãos de bem, aptos à vida em sociedade, esse diagnóstico não é novidade. Porém, o desafio é mais complexo. O Brasil precisa avançar em sua política pública voltada para a educação; direcionando verbas de maneira mais eficiente e ampliando o acesso à escola, tornando-a mais democrática e eficaz. 

No centro deste processo está sempre o professor. Afinal, o professor é a alma da educação. Valorizá-lo, com formação continuada e iniciativas para o incentivo à leitura, valorização salarial e reconhecimento afetivo, é caminho simples, testado e infalível. Como secretário de Educação, pude trabalhar para buscar em São Paulo essa escola mais humana e com qualidade. Programas como a Escola da Família e Escolas de Tempo Integral, aliados a ações de valorização dos educadores, transformaram e humanizaram a educação e contribuíram com a diminuição da violência e da evasão escolar em São Paulo.

Mas, podemos ir além, a começar por evitar retrocessos. Avanços na área educacional devem se perpetuar na forma de política de Estado – a exemplo do que foi feito na área econômica com a Lei de Responsabilidade Fiscal, hoje um instrumento acima de interesses partidários. Uma Lei de Responsabilidade Educacional seria o caminho para que aos gestores públicos dessem continuidade às políticas educacionais de seus antecessores. Educação é processo. Não se pode, em nome de personalismos, destruir o que foi feito em outras gestões. Enfim, a escola humana, que valoriza o professor, que transforma seu espaço em centro de irradiação de luz na comunidade, mais do que possível, é necessária para o futuro do Brasil.

Sobre Gabriel Chalita
Gabriel Chalita é vereador do município de São Paulo, o mais votado do Brasil em 2008, eleito com 102 mil votos. É autor da primeira lei do Brasil de combate e prevenção ao bullying nas escolas da capital paulista. Também é autor do livro sobre o tema, “Pedagogia da Amizade – Bullying: o sofrimento das vítimas e dos agressores”.

Entre 2002 e 2006 foi secretário de Estado da Educação de São Paulo. Nesse período, implantou programas que transformaram e humanizaram a educação, a exemplo da Escola da Família e Escolas em Tempo Integral, além de ações de valorização dos educadores. Esses projetos contribuíram para diminuir da violência e evasão escolar.

Educador por vocação, Chalita preparou-se desde a infância para os ofícios de professor e escritor. Hoje soma a publicação de 51 títulos, desde livros didáticos a tratados sobre a ética e a filosofia. É membro da Academia Brasileira de Educação. Cursou Filosofia e Direito. Logo depois fez mestrados em Sociologia e em Direito; além de doutorados em Comunicação e Semiótica e em Direito, ambos pela PUC/SP. Leciona na própria PUC e na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Gabriel Chalita foi eleito Deputado Federal pelo PSB com mais de meio milhão de votos.

AVALIAÇÃO PSICOPEDAGÓGICA DE LETRAMENTO



PSYCHOPEDAGOGICAL EVALUATION OF LITERACY


Giovana Ilíada Giacomini1. Elizabeth Abelama Sena Somera2.



1- Mestre em Estudos Linguísticos (IBILCE/UNESP São José do Rio Preto); Professora do Ensino Fundamental, Médio e Superior; Especializanda em Psicopedagogia Clínica e Institucional: Educação e Saúde, Curso de Pós-Graduação Lato Sensu da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, Turma 2010.
2- Doutora em Educação Escolar pela UNESP de Araraquara; Mestre em Ensino na Educação Brasileira pela UNESP de Marília; Professora de Didática de Cursos de Pós-Graduação Lato Sensu da FAMERP; Coordenadora do Centro de Apoio Pedagógico-Educacional da FAMERP.

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Resumo: Este trabalho tem como objetivo discutir o ensino da língua escrita, especialmente o conceito de letramento, que se refere ao uso dessa linguagem na sociedade em diversos contextos e com variados graus de exigência. Objetiva-se também mostrar que a Psicopedagogia, ciência cujo objetivo é diagnosticar e tratar dificuldades de aprendizagem de variadas naturezas, pode oferecer uma avaliação adequada do nível de letramento do aluno e, por meio do tratamento, seu desenvolvimento.

Palavras-chave: Língua escrita; Letramento; Avaliação Psicopedagógica.


Abstract: The purpose of this paper is discuss the teaching of written language, especially the concept of literacy whose concept is the use of this and whit  language in society in different contexts and with several degrees of demand. It also aims to show that psychopedagogical science whose goal is to diagnose and treat learning difficulties of several kinds, can properly evaluate  the level of student's literacy and, through treatment, his development.

Keywords: Written language; Literacy; Psychopedagogical evaluation.


Introdução


Este trabalho tem como objetivo avaliar questões concernentes à apropriação da escrita no ensino escolar, especialmente no que se refere ao fenômeno do letramento, ou seja, o processo de inserção do indivíduo numa cultura letrada.
Além disso, objetiva-se discutir as contribuições que a Psicopedagogia, ciência que tem como objetivo diagnosticar e tratar dificuldades de aprendizagens de diversas naturezas, pode oferecer a esses alunos que, no processo de escolarização, não desenvolveram graus avançados de letramento.
Desde os primeiros anos de vida, o ser humano está em contato com a linguagem verbal, especialmente a oral.  Ao escutar os adultos usando-a para se comunicar, a criança se apropria dela e passa a utilizá-la gradualmente. De acordo com Marcuschi (2003, p. 18), essa apropriação da linguagem oral acontece pelo fato de ela ser elemento de inserção cultural e de socialização.
A aquisição da escrita dar-se-á mais tarde, no ensino escolarizado, formal. Quando o aluno chega até a escola, então, ele já conhece vários mecanismos inerentes à oralidade. Entretanto, pelo fato de viver em uma sociedade letrada, ele chegará à escola também com algum conhecimento da língua escrita, o que Marcuschi (2003, p. 19) define como a influência de práticas de letramento da sociedade em que vive, que acontecem nos diversos setores do cotidiano tais como trabalho, dia-a-dia, vida burocrática, entre outros. Assim, não há alguém totalmente iletrado, o que, para Tfouni (2002, p. 23), equivaleria ao “grau zero” ou iletramento total. Mesmo as pessoas consideradas analfabetas são influenciadas pela sociedade letrada na qual vivem.
Entende-se que docentes da disciplina de Língua Portuguesa tenham convicção da relevância do ensino das noções de letramento e multiletramento, que visam construir e transformar a realidade social; para tanto, sugere-se, segundo Santos (2006, p. 58-59), que recorram à produção da escrita e leitura de textos multimodais, isto é, textos que permitem a compreensão de múltiplas fontes de linguagem porque são constituídos com estruturas voltadas à construção do sentido e que incorporam inúmeros códigos semióticos verbais e não-verbais.
No entanto, diversas avaliações oficiais têm demonstrado que grande parte dos alunos termina o ensino básico com dificuldades na leitura e na escrita de textos dos mais variados tipos e graus de complexidade. Nesse contexto, o psicopedagogo, por meio da avaliação do aluno e dos fatores inerentes ao seu entorno social, o que inclui a escola e a família, oferecerá ferramentas de avaliação dos graus de letramento do aluno e alternativas de desenvolvimento dessa habilidade.


Ensino da língua escrita e o conceito de letramento


Enfatiza-se que toda pessoa que está inserida em uma sociedade letrada tem algum grau de letramento, pois a linguagem escrita faz parte de seu cotidiano. No entanto, ainda que a sociedade ofereça tais situações de contato com a escrita, a escola ocupa lugar privilegiado em sua aquisição, pois é por meio dela que os alunos conhecerão as convenções inerentes à linguagem escrita, ou seja, serão alfabetizados. Além disso, pela prática da leitura e da escrita, também saberão utilizar essas convenções no entendimento de diversos tipos de texto e também na sua produção. Ou seja, a escola oferecerá um repertório a mais de práticas de leitura e escrita além do que a sociedade oferece a eles.
De fato, na práxis didática do professor de Língua Portuguesa, a seleção de textos vai além dos que configuram o cotidiano do aluno, pois visam qualidade e multimodalidade, por meio de gêneros diferenciados, que consideram os ambientes em que os textos aparecem, os fatores como a intenção, a situação e os interlocutores, além de forma, conteúdo e estilo e os aspectos sócio-comunicativos e funcionais (MARCUSCHI, 2005, p. 21).
Para as crianças de classes sociais mais baixas, a importância da escola torna-se ainda maior, já que, de acordo com Kleiman (2003, p. 39), as práticas de letramento são diferentes a depender da cultura, do contexto social, econômico, político, educacional. Como as crianças de tais classes geralmente têm menos oportunidades de contato com a escrita em casa, pela baixa escolaridade de sua família, então é na escola que elas terão maior contato com livros, jornais, revistas, entre outros. Além disso, é por meio dela que tais alunos aprenderão a linguagem formal que, para Teixeira Ataliba (apud Ramal, 1999, p. 38), é a maneira de falar e escrever considerada padrão por ser praticada pela classe de prestígio. Pelo fato de grande parte das famílias de classes sociais desfavorecidas não conhecerem e não fazerem uso dessa linguagem, a escola é o único ou principal lugar em que ela é ensinada e praticada.
Portanto, o ensino da linguagem escrita na escola é imprescindível para que os alunos a dominem e possam utilizá-la no dia-a-dia. Sem esse domínio, de acordo com Ramal (1999, p. 35), é comum que as pessoas sejam marginalizadas socialmente, tornem-se limitadas no entendimento de textos escritos cotidianos, dependam de outras pessoas para diversas situações de prática de leitura e escrita e, portanto, estejam mais sujeitas a serem enganadas e menos valorizadas que outras pessoas. Isso traz, portanto, muitos problemas para a vida cotidiana.
Freire (1996, p. 77) defende que é papel do educador e da escola promover nos alunos a consciência de que eles não são objetos da história, mas sim sujeitos que podem fazer com que ela mude. Entretanto, como ser sujeito dessa mudança se, conforme foi afirmado anteriormente, eles são marginalizados e limitados socialmente? Assim, o conhecimento e o pleno domínio da linguagem escrita é um fator de ascensão social e condição fundamental para que se atue criticamente em sociedade. Portanto, a escola tem como função, além de alfabetizar, promover situações de prática da leitura e escrita, a reflexão sobre a função dos diversos gêneros textuais na sociedade e o domínio da norma padrão tanto oral como escrita. Assim, de acordo com Ramal (1999, p. 36), o aluno deveria sair da escola com autonomia para lidar socialmente com as representações linguísticas.
No entanto, estatísticas mostram que muitos alunos saem da escola sem saber o mínimo de tais habilidades. De acordo com o 9º Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional – INAF (IPM, 2009, p. 5-6), existem quatro níveis de alfabetização: o analfabetismo, em que não se consegue realizar tarefas simples que envolvam leitura e escrita; o alfabetismo nível rudimentar, em que se consegue localizar informações explícitas em textos curtos e familiares; alfabetismo nível básico, em que se consegue ler textos e localizar informações, mas há limitações no que se refere a atividades que envolvam mais etapas ou relações; alfabetismo pleno, em que se consegue ler e compreender textos de menor ou maior extensão e compreender suas partes e seu sentido global. Os dados do INAF de 2009 mostram que, embora o nível de analfabetos absolutos tenha diminuído nos últimos dez anos, somente 38% dos estudantes que cursaram alguma série ou terminaram o nível médio de ensino podem ser considerados plenamente alfabetizados, embora o esperado para tal nível seja de 100% (IPM, 2009, p. 11). Dessa forma, a aquisição de leitura e escrita tem sido muito abaixo do esperado.
Assim, é preciso que se reavalie o ensino de leitura e escrita na escola. Se ela é a instituição social responsável pelo ensino formalizado da linguagem escrita, deve repensar sua prática a fim de que os alunos saiam preparados para usar tal linguagem em sua vida. Para isso, não basta que eles saibam decodificar seus elementos. É preciso saber lidar com ela socialmente em situações como elaborar um currículo, buscar informações em textos de variados gêneros e extensões, entender o sentido global do que se lê, seguir instruções.
Tal como o INAF, Soares (2004, 14-15) acredita que haja diferença entre saber decodificar o sistema escrito e dominá-lo na prática. A autora propõe uma distinção entre alfabetização e letramento: para ela, ser letrado é mais do que ser alfabetizado, pois a alfabetização é quando o aluno adquire o sistema convencional da escrita, sabe decodificá-la e reproduzi-la. Já o letramento é o domínio do conjunto de habilidades de uso dessa linguagem em atividades de leitura e escrita nas diversas práticas sociais em que são exigidas.
De acordo com a tradição escolar dos últimos anos, apenas recentemente tem-se associado a alfabetização e o letramento. Para Soares (2004, p. 15), no ensino em que as cartilhas exerciam papel fundamental na alfabetização, o letramento era contemplado posteriormente à alfabetização. Assim, primeiramente eram oferecidas técnicas de decodificação e memorização do sistema escrito e, depois que esta etapa fosse terminada e dominada pelos alunos, eles travariam contato com práticas diversas de leitura e escrita.
Desta forma, a maneira como se ensina a alfabetização e o letramento depende do paradigma educacional de uma determinada época, escola ou de um docente. Para Monteiro (2010, p. 59), a concepção que o professor traz de alfabetização e prática de leitura é que o leva a organizar ou ministrar práticas que apenas preparem o aluno para ler e escrever ou que o prepare para responder às exigências sociais com relação à leitura e à escrita.
Soares (2004, p. 15), apesar de defender que ambos os processos são interdependentes, defende que, diante do cenário de fracasso escolar presente atualmente, faz-se necessário rever a maneira como se ensina a linguagem escrita nas escolas e reconhecer a possibilidade de fazer distinções entre ambos os processos.



Conciliação entre essas duas dimensões da aprendizagem da língua escrita, integrando alfabetização e letramento, sem perder, porém, a especificidade de cada um desses processos, o que implica reconhecer as muitas facetas de um e outro e, consequentemente, a diversidade de métodos e procedimentos para ensino de um e de outro, uma vez que, no quadro desta concepção, não há um método para a aprendizagem inicial da língua escrita, há múltiplos métodos (SOARES, 2004, p. 15).


Assim sendo, as atividades que envolvem o ensino da linguagem escrita devem contemplar a alfabetização e o letramento, mas devem ser consideradas as especificidades de cada uma delas. Para a autora, é preciso reconhecer que a alfabetização e o letramento são processos interligados, mas específicos e, portanto, seu ensino deve reconhecer isso.
Entretanto, isso não significa que o ensino da sistematização da linguagem escrita deva ser feito por meio de atividades descontextualizadas e baseadas em exercícios de simples memorização das famílias silábicas, mas sim que algumas atividades terão como objetivo preponderante a sistematização, outras a prática do letramento. Trata-se de delinear melhor os objetivos pedagógicos de cada prática docente.
Segundo Delphino (apud Dell´Isola, 2006, p. 1699), o ensino da linguagem escrita deve ser pensado por “projetos de multimodalidade” justamente pela possibilidade da seleção de textos que contêm recursos como: tipos de modos representacionais e comunicacionais, formatação, tipo de fonte, presença de imagens e todo tipo de informação advinda de quaisquer modos semióticos embutidos na cultura humana, componentes que também constituem meios de expressão do conteúdo do texto.
Assim, infere-se que é preciso levar em conta a multimodalidade como traço constitutivo do texto e que este trabalho precisa compor as práticas na linguagem dentro do espaço escolar para que a língua seja destacada em seu funcionamento no meio das práticas sociais, obtendo-se um letramento ou multiletramento funcional.
Monteiro (2010, p. 96-109) sistematizou algumas orientações para auxiliar os docentes no ensino de leitura e escrita. Todas as orientações baseiam-se na ideia de que o ensino deve ser baseado em atividades de uso prático da linguagem, ou seja, com atividades contextualizadas. Entretanto, elas poderão ser adaptadas e moldadas a depender do enfoque que o professor quer ou necessita dar aos alunos. Entre elas, destacam-se: atividades com nomes próprios e documentos pessoais, em que cada aluno deve pesquisar a origem do seu nome próprio, seus documentos pessoais e, por meio dessa descoberta, faz-se a sistematização dos resultados trazidos por todos os colegas de sala; localizar letras em jornais, revistas, propagandas, livros diversos e, por meio dessa atividade, pode-se atingir vários objetivos como a escolha de palavras com as iniciais do nome do aluno ou de outra letra a ser trabalhada; bingo de letras ou sílabas; pesquisar o nome de funcionários da escola, da família, suas funções e posterior estudo das palavras; trabalhar com contos de fada e as impressões de cada aluno, sendo a sistematização feita por meio dos nomes dos personagens, de palavras do enredo, entre outras. Todas essas atividades procuram ensinar a leitura e a escrita em atividades contextualizadas, portanto, reflexivas e interessantes para os alunos.


Psicopedagogia e letramento


Com a presente difusão dos achados na literatura, pôde-se observar que uma das razões do fracasso escolar dos alunos é a falta de domínio da linguagem escrita tanto no nível de alfabetização quanto no de letramento. Portanto, muitos deles procuram especialistas trazendo consigo tais dificuldades como causa ou consequência dos problemas de aprendizagem.
Entre os especialistas procurados, está o psicopedagogo. De acordo com Bossa (2000, p. 23), o surgimento da Psicopedagogia deveu-se à necessidade de se compreender melhor o processo de aprendizagem e se tornou uma área específica, cujo objetivo é buscar conhecimento em outros campos e delinear seu próprio objeto de estudo. Trata-se, assim, de uma área do conhecimento que busca avaliar os padrões de aprendizagem e de desenvolvimento humano, os fatores que a influenciam e as intervenções que podem ser feitas a partir do diagnóstico.
Dessa forma, esse profissional pode contribuir muito para diagnosticar e tratar as dificuldades de aprendizagem concernentes à apropriação da linguagem escrita. Para isso, ele precisa desenvolver ferramentas que avaliem não só a alfabetização, mas também o letramento e seus graus.
Isso porque, de acordo com Weiss (2008, p. 17), a Psicopedagogia considera que toda possibilidade de absorver conhecimento pelo aluno dependerá da maneira como esse conhecimento foi ensinado. Dessa forma, o psicopedagogo não deve investigar apenas o aluno, mas sim o contexto escolar e familiar. No que concerne ao letramento, se o professor não promove situações de desenvolvimento da prática social da escrita e da leitura e se no contexto familiar essa prática é reduzida, explica-se o porquê de o aluno muitas vezes ter problemas na escola, pois não consegue interpretar o que lhe é solicitado, não interpreta mapas e gráficos, dentre outros. Portanto, pelo fato de a Psicopedagogia considerar escola e família e sua influência na dificuldade do aluno, tais fatores aparecerão na avaliação diagnóstica e ele poderá intervir por meio de orientação à escola e à família.
No que se refere à escola, para Weiss (2008, p. 18), é comum que ela ignore o que a criança já traz de conhecimento antes do ensino escolarizado, portanto, ignora que ela já chegue parcialmente letrada. Esse fator também será considerado pelo psicopedagogo, que partirá em suas atividades do que o aluno traz de conhecimento, suas preferências e aptidões. Isso reduzirá a ansiedade do paciente que, de acordo com Weiss (2008, p. 22), aparece especialmente naquele que traz dificuldades de aprendizagem: é comum que ele tema o novo, sinta-se incapaz, já que é muito cobrado pela família e pela escola. Dessa forma, o psicopedagogo desenvolverá mecanismos de redução dessa ansiedade.
O psicopedagogo também é capaz de utilizar recursos metodológicos que permitem depreender as capacidades e as dificuldades dos alunos quando da produção de textos; compreende, avalia, apoia e cria situações de aprendizagem partindo de suas capacidades e de seus erros para organizar o ensino, salientando os principais obstáculos a serem ultrapassados em função dos diferentes componentes dos textos trabalhados: esta é a postura para saber adaptar, da melhor forma possível, o ensino aos aprendizes da escrita.
No caso do letramento, as atividades que o psicopedagogo desenvolverá deverão contemplar atitudes cotidianas do universo do paciente tais como o uso da linguagem escrita em uma lanchonete ao escolher seu lanche, a elaboração de um diário, um cartaz, um bilhete para alguém da família, uma lista de supermercado, entre outras. Isso deve ser feito desde a avaliação diagnóstica, por meio da elaboração de um protocolo que contemple atividades que exigem níveis variados de letramento. 
 Além disso, também no tratamento, as atividades cotidianas são importantes de forma a motivar o aluno a usar a linguagem em situações rotineiras. A partir de tais atividades, depois que o aluno tiver melhorado seu nível de letramento e de ansiedade, o profissional poderá ampliar o seu conhecimento por meio do uso de outros textos, da execução de tarefas um pouco mais complexas tais como relacionar um mapa com outro texto, buscar informações específicas e interpretá-las nos mais diversos tipos de texto. Assim, o educando estará preparado para lidar com os diversos desafios sociais que envolvam a linguagem escrita.
Dessa forma, a Psicopedagogia fornecerá elementos para que o aluno desenvolva seu grau de letramento e atenda às expectativas da sociedade, de que as pessoas devem ser leitoras e escritoras competentes. Para isso, é preciso que o psicopedagogo tenha, além de conhecimento teórico e comprometimento com a melhora do paciente, o que Weiss (2008, p. 32) define como “sensibilidade do terapeuta”. Para ela, o diagnóstico é bem-sucedido não quando conta com vários instrumentos de avaliação, mas sim com essa sensibilidade, que permite a exploração de múltiplos aspectos revelados em cada situação. Aliando seu conhecimento com essa sensibilidade, o psicopedagogo deverá avaliar tanto a alfabetização como o letramento e, no tratamento, promover, muitas vezes, o que a escola não faz ou não tem como prioridade: situações de uso prático e social da leitura e da escrita, isto é, situações de desenvolvimento do letramento e, consequentemente, oportunidades de atuar em sociedade como cidadão.


Conclusão


Como pôde ser observado, o domínio da linguagem escrita é extremamente importante para qualquer pessoa, pois aquela que não o possui muitas vezes é limitada em seu dia-a-dia, no mercado de trabalho, no acesso às informações. Dessa forma, a escola, como lugar privilegiado de ensino formal da língua materna, tem como função promover nos indivíduos esse domínio e, por meio dele, oportunidades de ascensão social e exercício da cidadania. Entretanto, muitas pessoas saem da escola sem dominar a habilidade leitora e escritora e, durante o processo escolar, encontra muitas dificuldades para acompanhar o ensino dado e adquirir conhecimentos de diversas disciplinas.
Nesse contexto, a Psicopedagogia poderá oferecer elementos de diagnóstico e tratamento de tais dificuldades. Isso porque essa ciência tem como característica avaliar o processo de aprendizagem e os elementos que condicionam as dificuldades. Com o conhecimento teórico advindo de várias outras áreas do conhecimento, inclusive a Linguística, e dotado de uma sensibilidade de olhar para as dificuldades de maneira global, esse profissional tem condições de avaliar o grau de letramento do aluno e promover seu desenvolvimento por meio de diversas atividades.
Para que se chegue ao resultado esperado, ou seja, ao desenvolvimento de um nível avançado de letramento no paciente, o psicopedagogo deverá efetuar um estudo longitudinal de seu aluno a partir da primeira consulta e em cada sessão psicopedagógica de modo a avaliar seu grau de letramento após cada orientação ou intervenção desenvolvida com atividades de uso da linguagem escrita em diferentes níveis. Poderá, inclusive, lançar mão de protocolos validados para avaliação da compreensão leitora de textos expositivos. Esse protocolo deverá ser aplicado a pacientes que já são alfabetizados, mas não têm o domínio da linguagem escrita e contemplará atividades de uso da linguagem escrita de diferentes níveis para que seja avaliado o grau de letramento em que o indivíduo se encontra.
Exemplificando, especificamente, o primeiro recurso citado é referente à leitura e análise de textos agrupados em gêneros, estilos ou formas de representação multimodal, partindo-se do pressuposto que cada um deles sinaliza sua espécie e favorecem a construção do sentido do material para posterior reconhecimento de quais situações de produção e uso (ações) que foram desenvolvidas, de tal forma a servirem de exemplos para novas produções. A base desta ideia está no fato de que é possível criar textos a partir de textos anteriores, que estão disponíveis nos cenários vivenciados pelo aluno, bem como de compreender textos de outros produtores que também compõem tais cenários. Com este material, a avaliação será fruto de observações das produções e de atribuição de pontuação de zero a dez.
Um segundo recurso, pode ser a aplicação de um protocolo para avaliação da compreensão leitora de textos expositivos, como o elaborado por Saraiva et al. (2006). Trata-se de um material composto por um jogo com 18 cartões e cinco protocolos para avaliação cujo objetivo principal é auxiliar os psicopedagogos e fonoaudiólogos na avaliação da compreensão leitora dos pacientes a eles encaminhados, a partir da faixa etária correspondente ao 1º ano do Ensino Fundamental até a idade adulta.
Esta avaliação leva em consideração a importância do uso de textos expositivos na escola, que estão presentes em todas as áreas de conhecimento, cuja compreensão será a causa do sucesso ou fracasso do aluno nas diferentes disciplinas. Os textos possuem organizações diferenciadas (superestrutura), com pistas textuais e informações capazes de interferirem na compreensão leitora. Precisamente, foca como devem ser observados e analisados os aspectos cognitivos, metacognitivos e motivacionais do aluno durante o ato da leitura.
A partir daí, com base nos registros feitos, o psicopedagogo estabelecerá estratégias de ampliação desse nível do grau de letramento de forma a prepará-lo para a vida cotidiana.



Referências bibliográficas


BOSSA, N. A. A psicopedagogia no Brasil: contribuições a partir da prática.   2. ed.   Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.

DELPHINO, F. B. de B. Uma leitura multimodal de um texto publicitário. In: DELL’ISOLA, R.L.P. Intergenericidade e agência: Quando um gênero é mais do que um gênero. Disponível em: < http://www3.unisul.br/paginas/ensino/pos/linguagem/cd/Port/112.pdf>. Acesso em: 17 nov. 2010.


FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 31. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

IPM – Instituto Paulo Montenegro & Ação Educativa. 9º Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional: avaliação de Leitura. São Paulo: IPM / Ação Educativa, 2009.

KLEIMAN, A. B. (org.) Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita. Campinas: Mercado de Letras, 2003.

MARCUSCHI, L. A. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2003.

MARCUSCHI, L. A. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONÍSIO, MACHADO E BEZERRA (Org.). Gêneros textuais e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005. p. 19-36.

MONTEIRO, M. I. Alfabetização e letramento na fase inicial da escolarização. São Carlos: EdUFSCcar, 2010.
RAMAL, A. C. Língua Portuguesa: o quê e como ensinar. In: MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Educação de Jovens e Adultos: um salto para o futuro. Brasília: MEC/SED, 1999, p. 35-51.
SANTOS, J. M. dos. Letramento Multimodal e o texto em sala de aula. 2006. 126f. Dissertação (Mestrado em Linguística). Universidade de Brasília, Brasília, Distrito Federal. 2006. Disponível em:

SARAIVA, R. A.; MOOJEN, S. M. P.; MUNARSKI, R. Protocolo para Avaliação da Compreensão Leitora de Textos Expositivos. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2006.
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TFOUNI, L. V. Letramento e alfabetização. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2002.

WEISS, M. L. L. Psicopedagogia Clínica: uma visão diagnóstica dos problemas de aprendizagem escolar. 13. ed. Rio de Janeiro: Lamparina, 2008.




Correspondência:

1) Giovana Ilíada Giacomini
Fones: (17) 91035801 - 88206190

2) Elizabeth Abelama Sena Somera
Centro de Apoio Pedagógico Educacional da Famerp
Av. Brigadeiro Faria Lima n. 5416, Vila São Pedro.
15.090-000. São José do Rio Preto/ SP.
Fone: (17) 3201-5805.



domingo, 21 de novembro de 2010

O espaço da literatura infantil: uma literatura dentro da outra?




Prof.ª Dr.ª Maria do Carmo Monteiro Kobayashi[1]
Prof.ª. Ms. Cinthia Maria Ramazzini Remaeh[2]

Resumo:

Neste artigo apresentamos as possibilidades e a relevância da literatura infantil na formação do leitor-criança. Nossa proposta é mostrar a literatura infantil como suporte para que o ouvinte-criança goste de ler, compreenda melhor a realidade, fortaleça seus sentimentos, minimize seus medos e, sobretudo organize seu pensamento. Para tanto, iniciaremos com o espaço ocupado pela literatura infantil na da Literatura. Em seguida, apresentaremos as competências necessárias para a leitura. Discutiremos o papel da literatura infantil em nossas vidas e, finalmente, as características do leitor-criança como forma de sinalizar possibilidades de uso dessa literatura em sala de aula.

Palavras-chave: Leitor-criança. Literatura Infantil. Competências para leitura. Sala de Aula.


Abstract

We present in this communication the possibilities and the importance of child´s literature in the formation of the young reader. Child`s literature enchants in special way the child and the educator, since the decade of 80, but the difficulties to work with similar thematic are found in the unfamiliarity of relative questions to the listener, as well as the essential aspects for a pleasant reading. Thus, our proposal is to show the child´s literature as a resource so that the listener likes to read, understands the reality better, fortifies its feelings (RABBIT, 2004), minimizes its fears (BETTELHEIM, 2004) and over all organizes its thoughts (PIAGET, 1994). We will initiate inside with the space for the infantile literature inside the Literature. After that, we will discuss the paper of infantile literature in our lives and, finally, the characteristics of the young reader as form to point out the possibilities of use of this literature in classroom.


Key-words: Fiction. Young reader. Child´s Literature. Classroom.


Primeiro encontro com a literatura: o espaço da literatura infantil num universo maior

A literatura infantil vem encantando de modo especial a criança e o educador, desde a década de 80, do século passado, mas as dificuldades de bem trabalhar semelhante temática esbarram no desconhecimento de questões relativas ao próprio ouvinte, bem como aos aspectos essenciais para uma leitura prazerosa, quais seriam então as dificuldades em trazê-la para a sala de aula?
            Uma das questões, constantemente, presentes quando se fala em literatura infantil, é o espaço que ela ocupa no conjunto maior de obras chamado Literatura. Seria possível situá-la no quadro de gêneros literários? Seria ela um subgênero?
            Apesar das controvérsias ligadas à conceituação de gênero literário em geral, lançaremos mão dele, seguindo o proposto por Coelho (2000), a fim de encontrarmos o referido espaço.
            Para Coelho,
          Gênero (ou forma geradora) é a expressão estética de determinada experiência humana de caráter universal.
            Assim, quando o eu está mergulhado em suas próprias emoções, temos a chamada vivência lírica, que se expressa através da poesia; se há uma relação do eu com o outro, com o mundo social, temos a vivência épica e a expressão se dá via prosa, ficção; quando o eu se entrega ao espetáculo da vida, temos a vivência dramática e o teatro como forma de expressão.
            A ficção, por sua vez, abrange toda e qualquer prosa narrativa literária (COELHO, 2000, p. 163), possuindo as chamadas formas básicas que irão se diversificar em diferentes categorias, dependendo do tema, da intencionalidade... E a essas formas básicas pertence a literatura infantil, que é dirigida a um leitor especial, posto que está vivenciando a aprendizagem inicial da vida. Dessa forma, ela deverá excitar seu interesse, quer seja através das aventuras ou da pintura de paixões e costumes. É preciso diverti-lo, emocioná-lo, provocar seu interesse, a fim de transmitir-lhe uma experiência duradoura ou fecunda. Isso porque, quer queira ou não, a literatura infantil possui um caráter conscientizador e lúdico.
            Interessante ainda ressaltar que as narrativas conhecidas como de tradição popular ou folclórica, resultantes de uma criação espontânea, dado o seu caráter simples e autêntico, acabaram sendo assimiladas pela literatura infantil. São as fábulas, apólogos, parábolas, lendas, mitos entre outras.
            Uma vez esclarecido o espaço ocupado pela literatura infantil no universo da Literatura maior e apresentadas as primeiras reflexões sobre seu papel em nossas vidas, passemos a analisá-lo com maiores detalhes.

A Literatura infantil na vida da criança: como se dá esse encontro?

            Contar histórias... Quem nunca contou uma história? Por outro lado, quem nunca ouviu uma história? As histórias do dia-a-dia, as histórias dos bichos, as histórias dos países, as histórias das descobertas... São tantas histórias! Existem, porém, aquelas que estão sendo repetidas há muito tempo e que continuam a ter um papel fundamental na vida das crianças e dos adultos. Nossas pesquisas (KOBAYASHI, 2005a, 2005b) apontam para um fato curioso: os professores que entrevistamos na faixa entre 30/35 a 50/55 anos ouviram histórias (fábulas, contos de fadas, contos de encantamentos entre outros) transmitidas pelos seus parentes. E aqui aparecem os pais, avós e tios, nessa ordem de freqüência. Os mais jovens (entre 20 e 30 anos), por sua vez, contam que foi na escola que eles ouviram histórias.
            Esses dados nos remetem ao fato de que a escola está assumindo um papel que era da família e da comunidade. As pessoas se sentavam na frente de suas casas e lá é que ocorriam os serões de histórias e de casos. Nas famílias, o aconchego da cama ou mesmo do berço era o espaço usado pelos pais e avós para estarem próximos aos pequenos. Hoje, há um movimento de conscientização dos pais e familiares sobre a importância desses momentos na vida da criança. A correria do dia, o agito da sociedade tecnológica não permitem que as famílias se encontrem e que esse velho costume se perpetue. Diante disso, fica a pergunta: em tempos de tecnologia, ainda há espaço para as histórias infantis?
            Segundo Abramovich (2002, p. 17):

Ler histórias para crianças, sempre, sempre ... É poder sorrir, rir, gargalhar com as situações vividas pelas personagens, [...] poder ser um pouco cúmplice desse momento de humor, de brincadeira, de divertimento... É também suscitar o imaginário, é ter curiosidade respondida em relação a tantas perguntas, é encontrar outras idéias para solucionar questões (como as personagens fizeram...) É uma possibilidade de descobrir o mundo imenso de conflitos, de impasses, das soluções que todos vivemos e atravessamos – dum jeito ou de outro – através dos problemas que vão sendo defrontados, enfrentados (ou não), resolvidos (ou não) pelas personagens de cada história (cada uma a seu modo). É a cada vez ir se identificando com outra personagem (cada qual no seu momento que corresponde àquele que está sendo vivido pela criança).

            A literatura infantil hoje deve ser vista como um meio das crianças comungarem com o mundo, de saber que somos seres de um mesmo planeta, que temos os mesmos medos, as mesmas origens, que a experiência humana pode ser advinda do que lemos e que na leitura podemos adentrar para um mundo que a experiência muitas vezes não nos é possível. Nascida dos contos folclóricos e dos clássicos, como nos mostrar Tatar (2004) não podemos deixar de mostrar as aproximações entre a morte de Golias por Davi, na Bíblia, e o Pequeno Polegar; de Cordélia de Shakespeare, Jane Eyre de Charlotte Brontë e Cinderela  de Perrault. Assim como não poderíamos deixar de lado as fábulas de Esopo e de Fedro, que de cunho moralista, unem pedagogia e lições para a vida em sociedade. Mas vamos nos centrar na literatura infantil brasileira, pois ela vai nos mostrar um período de muita criação, com avanços e retrocessos. 
            O desenvolvimento da literatura infantil no Brasil, segundo Cunha (2001), pode ser brevemente sintetizado em quatro períodos: a primeira que vai do final do século XIX aos anos 20. Esse período está ligado às manifestações iniciais da nossa literatura, sendo uma réplica dos padrões europeus e principalmente portugueses, fato facilmente compreensível com a vinda da família real portuguesa para o Brasil com toda a corte que influenciou de modo marcante nossa história.
O segundo período tem a forte influência das obras de Monteiro Lobato, que tem início em 1921, com a Menina do nariz arrebitado, prolongando-se até meados da década de 40. Falar de Lobato mereceria por si só um trabalho, dado o grau de importância da sua obra.
O terceiro período tem início no final da década de 40 e vai até a 1970, aproximadamente. A obra de Lobato deixa uma marca indelével na literatura nacional, compondo um tal cenário, que é impossível não sentir sua força. Segundo Coelho (2001), porém, nesse período houve também um momento no qual buscou-se banir o fantástico, o imaginário da literatura infantil. Foi a “caça às bruxas”, momento no qual se defendeu que o maravilhoso e o fantástico falsificavam a realidade e seriam perigosos para as crianças, pois poderiam levar a falsas verdades e a alucinações, tais como: distanciamento da realidade, perda de sentido do concreto, imaginação doentia... Essa visão resultou em uma produção “[...] estritamente real, mas no geral de medíocres ou nulos como literatura” (COELHO, 2001, p. 247). Para nossa felicidade, alguns autores mantiveram-se longe dessa visão e mantiveram-se fiéis ao fantástico. 
O último período iniciado na década de 70, marca a volta dos clássicos, sua reescrita com adaptações bem cuidadas, do aparecimento de obras que se dividem entre a realidade social e o cotidiano infantil, a criação de personagens com profundidade psicológica, e da apropriação dos elementos da cultura de massa que se dividem em histórias policias e de ficção científica, que sofrem as influências dos avanços científicos e da tecnologia, e na forma de apresentação com uma linguagem apelativa, com recursos visuais e elementos chamativos. Entretanto, a necessidade de consumo para a alimentar a produção de produtos em série expõe o leitor-criança a um sério risco, pois ele precisa se defender da torrente dos livros meramente comerciais que distorcem as histórias e, muitas vezes, apresentam conceitos equivocados, como por exemplo, “as mais belas fábulas” , quando o que se vê não passa de meras histórias sem as características citadas.
Como afirma Cunha (2001, p. 34), o percurso da literatura no Brasil é “[...] a tentativa entre dois pólos: pedagogismo e proposta emancipatória, massificação e liberdade expressiva. Hoje, quantidade e qualidade coexistem na literatura infantil, na qual a grande produção de textos estereotipados compete com o sucesso no mercado de bens culturais.” Mas falar de literatura infantil só tem razão quando se mira o seu público: a criança. E quem é o leitor-criança?

O leitor-criança e suas características

Mostra-nos a antropologia que o homem, dos seres viventes, é o único que não traz pronto seus padrões de comportamento já ao nascer. É no decorrer da vida que ele se construirá em função das experiências que lhes são oferecidas, e que ele as transformará em função de inúmeros fatores, inclusive os hereditários. Assim, ao se oferecer experiências de interpretação do mundo, como por exemplo, no sentido lato – a educação, irá se permitir mudanças de comportamento por meio de ações intencionais, pois o que nos diferencia dos animais é justamente o salto criativo decorrente da nossa capacidade de usar substitutos para representar algo, como os símbolos e signos. Assim, a escrita possibilitou ao homem guardar suas experiências, expressar seus sentimentos, avançar ao escrever sobre o que ainda não aconteceu.
A literatura, nesse sentido, permite-nos viver algo que não é nosso, mas que podemos por intermédio dela conhecer. Para o adulto, o ato de ler o remete a várias situações, tais como conhecer novos dados, informar-se, conhecer outros mundos, inteirar-se de novas descobertas, enfim, uma multiplicidade de situações.
Ao leitor-criança, a literatura ganha novo realce, pois: 

Se o homem se constitui à proporção da formação de conceitos, a infância se caracteriza por ser o momento basilar e primordial dessa constituição e a literatura infantil um instrumento relevante dele. Desse modo, a literatura infantil se configura não só como instrumento de formação conceitual, mas também de emancipação da manipulação da sociedade (CADEMATORI, 1995, p. 23).



Os estudos sobre a criança e a infância têm em Ariès (1981, p.) um referencial, que apesar das críticas, não pode ser ignorado. A sua obra realiza um estudo sobre a evolução do sentimento de infância que vai da sociedade tradicional à sociedade industrial para mostrar como esse sentimento foi alterado nesse período. Do anonimato à conquista de um lugar de destaque na sociedade, do sentimento de “paparicação”, como o autor denomina, ao centro da preocupação da família, da sociedade e da mídia:

[...] reservado à criancinha em seus primeiros anos de vida, enquanto ela ainda era uma coisinha engraçadinha. As pessoas se divertiam com a criança pequena como um animalzinho, um macaquinho impudico. Se ela morresse, então, como muitas vezes acontecia, alguns podiam ficar desolados, mas a regra geral era não fazer muito caso, pois outra criança logo a substituía. A criança não chegava a sair de uma espécie de anonimato.


Ainda Áries (19821) nos mostra que a partir do século XVII, ocorre uma alteração considerável em função de duas abordagens distintas. Na primeira, a aprendizagem deixa de ocorrer no seio da família e da sociedade e a criança deixa o mundo adulto para permanecer “resguardada” na escola, que “substitui a aprendizagem como meio de educação”. Mas essa mudança não seria possível sem o aval e a cumplicidade sentimental da família, sendo esta a segunda abordagem. A família passa a ser um lugar de afeição entre os cônjuges e entre os pais e filhos. Assim, a escola passa a ter um papel decisivo na sociedade, como nos dias atuais, quando nossos horários são em função da escolarização dos nossos filhos. A literatura nasce, assim, junto com a visão da infância. As obras de Perrault (1628-1703), La Fontaine (1621-1692), Andersen (1805-1875) e os Irmãos Grimm: Jacob e Wilhelm (entre 1785 e 1863) mostra essa adaptação das narrativas orais a nova visão de criança, e para tanto é escrita de forma a ser lida a esse público, mas as transformações não param. 

A rotina familiar gira, normalmente, em função da escola. E a educação escolar passa a ser uma área de pesquisas que arrebanha profissionais das mais diversas especialidades, tanto que “contar histórias” passa por uma sabatina, e os estudiosos da pedagogia, psicologia, sociologia entre outras áreas de estudos têm na literatura um farto campo de pesquisa, passando esta a ser não mais algo assistemático, mas um recurso de aprendizagem e de cura como nos mostra Bettelheim (1998).  
Os trabalhos de Piaget nos mostram as características do leitor-criança e para a criança pequena não há distinção entre o brinquedo e o livro. Ambos são objetos que podem se transformar em prazer. Brinquedos são oferecidos com muita freqüência para as crianças, já os livros, não basta que sejam oferecidos. É preciso muito mais. É preciso que os filhos vejam seus pais lendo. Vamos aos supermercados com as nossas crianças, compramos nossos alimentos, roupas, sapatos... E os livros? Eles nos vêem escolhendo livros?
Para as crianças entre 1 e 2 anos, o que chama atenção é o tom da voz, a cadência da história, o brincar com os sons, o movimento de fantoches, as onomatopéias, pois os objetos são mágicos e ganham vida própria. Daí a importância das histórias inventadas na hora, curtas e rápidas. Os livros de pano e de plástico, que resistem às mãos que estão descobrindo o mundo, e que devem ter figuras que mostrem coisas simples e atrativas visualmente, trarão ganhos em termos de linguagem, que nessa fase encontram-se em franco desenvolvimento e que: “[...] deve ser correta, de bom gosto, simples sem ser rebuscada. Os recursos onomatopaicos e as repetições contribuem para tornar a história mais interessante e dão força às expressões” (COELHO, 2002, p. 14).
A partir dos 2 anos, as histórias devem ser ainda rápidas, com um enredo simples e vivo, com um número de personagens que as crianças possam conhecer e controlar, e que se aproximem de suas vivências. O ritmo e a entonação da voz são recursos preciosos, bem como as histórias de bichinhos, de brinquedos, objetos e das próprias crianças.
A partir dos quatro anos e até por volta dos 6 anos, aproximadamente, a criança atinge a fase mágica e sua imaginação tem um poder fantástico de criação (Coelho, 2002), o que pode ser constatado com o “faz-de-conta” nas brincadeiras, esta fase é marcada pelo predomínio do pensamento mágico, o aumento significativo e rápido do seu vocabulário, quando a criança faz muitas perguntas, quer saber "como" e "por quê ?".
Para Piaget e Inhelder (1994) esse período caracterizado pelo egocentrismo, marcado pela dificuldade em se colocar na perspectiva do outro, e quando não há diferenciação entre a realidade externa e os produtos da fantasia infantil, os objetos ganham vida (animismo), o tempo e o espaço ainda são relativos às suas ações, não há passado nem futuro, a vida é o momento presente. Nessa fase, os textos devem ainda ter muitas imagens, pois o elemento maravilhoso começa a despertar interesse na criança. As histórias de repetição como “A formiguinha e a neve”, “Dona Baratinha” e os clássicos da literatura infantil, como “Os três porquinhos”. As crianças entre os 3 e 4 anos gostam de "O Lobo e os Sete Cabritinhos", "Cachinhos de Ouro", "A Galinha Ruiva" e "O Patinho Feio", que apresentam uma estrutura bastante simples e têm poucos personagens, sendo adequados às crianças desta faixa etária. Para os maiores (4 e 6 anos): "Chapeuzinho Vermelho", "O Soldadinho de Chumbo" (conto de Andersen), "Pedro e o Lobo", "João e Maria", "Mindinha" e o "Pequeno Polegar”.
A entrada no Ensino Fundamental, que a partir da Lei 11.274, de fevereiro de 2006, retira das crianças um ano de brincar, jogar, correr e de ser criança, fato que acreditamos seja muito grave, pois a corrida pela alfabetização precoce, em virtude do desconhecimento dos pais e da sociedade, pois muitas pessoas acreditam, que as crianças vão ganhar um ano na vida escolar, mas não consideram que, ao contrário, vão perder um ano de ser criança, e de criança que tem o direito de brincar, jogar e ouvir histórias, pois são elas que irão dar o palco para que as crianças sejam, simplesmente, elas.
Das etapas da vida por que passamos, nos humanos, do nascimento à senilidade, a infância é a mais curta, é o período que vai do nascimento até por volta dos 12 anos, mas são os anos de educação infantil e início do ensino fundamental, que tem se transformando muito. Apesar da produção cultural para a criança ter alcançado cifra inimagináveis, os produtos, em grande parte, não consideram as características da criança, mas lógica de mercado e o lucro fácil, uma lógica perversa, na qual o apelo ao consumo toca a parte mais sensível do consumidor – as crianças! 
A produção cultural infantil, hoje, como aponta Brougère (2003), associou os clássicos da literatura infantil ao cinema e aos produtos a serem vendidos a partir dos filmes e vídeos, prova disso é a produção da Disney na qual antes do produto cinematográfico está a preocupação com o brinquedo dos personagens e os assessórios decorrentes deles. Segundo esse pesquisador francês, desde a concepção do clássico a ser transformado em filme e desenho há uma preocupação com o “vir a ser” brinquedo dos personagens e dos produtos decorrentes desses personagens. Assim, na Pequena Sereia, um clássico de Andersen, jogos, roupas e uma sorte de produtos, infestam o mercado, ficando a história em segundo plano.
Como já apontamos anteriormente, nossa pesquisa mostrou que a mídia vem assumindo cada vez mais o lugar dos adultos na contação das histórias, esse momento de aproximação, de intimidade das crianças com os adultos está cada vez mais restrito, competindo ás telas da TV, do cinema e do computador contar as histórias, e aos pais e parentes a compra dos produtos destinados à criança. Por outro lado, a escola, pode ser uma instituição de resistência e ser um espaço no qual contar histórias de múltiplas formas, de memória, a partir de livros tenha um espaço garantido. 
O último ano da educação infantil e o primeiro ano do ensino fundamental marcam a separação da “escola de brincar” da “escola de verdade”. Para nossa tristeza, muitas vezes, há um rompimento do mundo mágico com o mundo da formação escolar, que hoje tem ocorrido cada vez mais cedo, pois é nesse período que as crianças têm interesse por ler e escrever. Com a diminuição do egocentrismo, a criança pode incluir outras visões que não somente as suas. O seu pensamento está mais estável e ela consegue estruturar melhor a sucessão dos fatos, desde que possa raciocinar sobre o concreto. Já consegue agir cooperativamente, os textos mais longos, mas ainda com imagens e o elemento maravilhoso exercem grande fascínio sobre a criança. Para nosso espanto é “[...] nesse momento que a maioria dos professores deixa de contar histórias (se é que contavam antes). Eles justificam a atitude, alegando que meninos da terceira série em diante não se interessam mais pelas histórias” (COELHO, 2002, p.19).
Sabemos que muito mais há para falar neste setor, mas esperamos ter contribuído com esta breve reflexão, para que a literatura infantil ocupe seu verdadeiro espaço na vida dos jovens leitores, para os quais se destina.


Referências

AGUIAR, V. T. Era uma vez... na escola. Formando educadores para forma leitores. Belo Horizonte: Formato, 2001.

ABRAMOVICH, F. Literatura infantil. Gostosuras e bobices. São Paulo: Scipione, 2003.

BETTHELHEIM, B. A psicanálise dos contos de fadas. São Paulo: Paz e Terra, 1998.

BROUGÈRE, G. Brinquedo e companhia. São Paulo: Cortez, 2003.

CADEMARTORI, L. O que é literatura infantil. São Paulo: Brasiliense, 1995.

COELHO, B. Contar histórias - uma arte sem idade. São Paulo: Ática, 2002.

COELHO, N, N. Literatura e linguagem. A obra literária e a expressão lingüística. Rio de Janeiro: José Olympio, 1974.

______ Literatura infantil. Teoria, análise e didática. SP: Moderna, 2000.

KOBAYASHI, M. C. M. Contar histórias e a formação de leitores infantis. In: Congresso Internacional educação e Trabalho. Representações Sociais, Competências e Trajetórias Profissionais. 2005. Aveiro. Anais do Congresso Internacional educação e Trabalho. Representações Sociais, Competências e Trajetórias Profissionais. Aveiro, 2005a. p. 223-224.

______  Contar histórias na educação infantil: uma aproximação entre gerações. In: VIII Congresso Estadual sobre Formação de Educadores. Modos de ser Educador. 2005, Águas de Lindóia. Anais do VIII Congresso Estadual sobre Formação de Educadores. Modos
de ser Educador. Águas de Lindóia: UNESP, 2005b, p.154.


PIAGET, J. INHELDER, B. A psicologia da criança. São Paulo: Bertrand Brasil, 1994.

TATAR, M. Contos de fadas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.




[1] Professora Doutora em Educação – Universidade Estadual Paulista – UNESP – Faculdade de Ciências – Departamento de Educação
[2] Professora Mestra Universidade do Sagrado Coração – Bauru, Centro de Ciências HumanasBauru 

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

A mediação da leitura literária na escola: uma lacuna a ser preenchida

Maria de Lourdes Teles
Professora Mestre pela PUC de São Paulo

RESUMO
Neste artigo, busca-se uma reflexão acerca do conflito entre o que a escola propõe em seus planos de ensino e o que realmente é desenvolvido em aulas de leitura literária,  no ensino básico. De acordo com Calvino (1003, p.9-16), é papel da escola despertar o aluno para a leitura de obras clássicas. Em vista disso, este estudo parte do pressuposto teórico de que uma das funções do texto literário é a de promover o conhecimento estético, concebido por meio do prazer da descoberta do real e do poder imagético que esse tipo de texto desencadeia no leitor, a fim de analisar o papel da escola e do professor como mediador da leitura literária na formação do aluno.

PALAVRAS-CHAVE:
Ensino de Literatura - Leitura literária – Leitura mediada.

A literatura como forma de representação é considerada uma das sete formas de manifestação artística, ao lado da pintura, dança, escultura, arquitetura, música e cinema. A principal função do texto literário é promover o conhecimento estético, concebido por meio do prazer da descoberta do real e do poder imagético que esse tipo de texto desencadeia no leitor. Para Barbosa (2003, p.87) “é possível chegar ao conhecimento genuíno veiculado pelo texto literário”, logo, o valor da palavra como expressão do eu e do mundo pode (e deve) ser ensinado através da leitura literária
O discurso literário difere dos demais atos discursivos por ser um trabalho intencionalmente orientado, cujo resultado.processo de criação se dá por meio da palavra que se torna responsável pelas sensações causadas ao leitor. A força do texto literário está nas várias possibilidades de leitura que o indivíduo adquire no ato da leitura e no jogo ambíguo das palavras que remete a várias interpretações e as variadas leituras.
A literatura promove o saber e atua sobre o  leitor como uma atividade crítica e reflexiva, permitindo a ele uma transformação libertadora e subversiva. Segundo Saraiva (2006, p. 38), “[...] o texto literário interfere na vida dos indivíduos e pode transformar-se em uma experiência de auto-revelação ou de uma visão renovada que auxilia o sujeito a ordenar seu caos interior”. Para a autora, o poder de transformação da literatura é bastante notório, justamente por estabelecer esse diálogo com o leitor e por fazer este (re)conhecer ao outro e a si mesmo..
Todavia, é difícil entender que a função específica do texto literário seja ignorada no contexto escolar e o seu ensino seja conduzido de forma tão equivocada. Isso acontece porque a leitura literária na escola se baseia na superficialidade de estudos meramente lingüísticos e descontextualizados. Os educadores se esquecem de uma forma de conhecimento que é adquirida por meio de uma educação estética.
Os desencontros não param por aí. O despreparo do professor para o trabalho com o texto literário é um outro, senão o maior equívoco da escola em relação à leitura literária, que deveria privilegiar critérios estéticos, mas não o faz. A leitura de grandes obras literárias promove o conhecimento por meio da fruição. O texto da fruição[1], de acordo com Barthes (2003, p.21-22), é “aquele capaz de desconfortar e desequilibrar as bases históricas, culturais e psicológicas do leitor e a consistência de seus gostos, de seus valores e até de suas lembranças.” Bloom (2001, p.17), também afirma que esse tipo de texto tem a função “de preparar para uma transformação no indivíduo de caráter universal.” A pergunta é como a escola atende a essa finalidade e qual prática utiliza para atingir o seu objetivo?
É senso comum entre os especialistas em educação que a valorização do conhecimento e a importância da formação humanista do aluno não podem ser jamais esquecidas, apesar desse indivíduo estar inserido em uma sociedade que prefere viver o prazer imediato da informação, por meio do consumo de bens materiais e culturais a adquirir conhecimento através da leitura de grandes obras. Em combate a essa cultura consumista, a leitura é, segundo Matos (2006, p.16), “a prática mais nobre da educação humanista, provedora de paciência e de consciência, pela sua dimensão ética”. A escola parece, igualmente, manter, em seus planos de ensino essa mesma expectativa em relação a formação de seus alunos.
Contudo, o seu maior desafio hoje é suscitar nas crianças e nos adolescentes o prazer pela leitura. Para Calvino (1003, p.9-16), a escola deve despertar o aluno para a leitura de obras clássicas. Essa é uma das funções, entre tantas outras, porém, é preciso pensar em uma metodologia que privilegie atividades prazerosas de leitura dos clássicos, as quais podem ser enriquecidas pelo debate e pelo diálogo com outras leituras realizadas pelo grupo. Essa experiência deve ser mediada pelo professor de língua e literatura, que é, sem dúvida, uma figura importante neste contexto, não podendo ser considerado apenas um hábil professor de língua e literatura, mas alguém que precisa compartilhar com o grupo a leitura desses textos. Dessa forma, a escola cria, no coletivo, uma oportunidade de o indivíduo estabelecer uma relação prazerosa e inesquecível com a obra literária.
Para ilustrar tais reflexões, será analisado a seguir o poema Para pintar o retrato de um pássaro, de Jacques Prévert, sugerido em uma proposta de leitura de um livro didático de língua portuguesa. O poema foi escrito em uma única estrofe e composto de versos livres e brancos.
PARA PINTAR O RETRATO DE UM PÁSSARO

Jacques Prévert

 

Primeiro pintar uma gaiola
com a porta aberta
pintar depois
algo de lindo
algo de simples
algo de belo
algo de útil
para o pássaro
depois dependurar a tela numa árvore
num jardim
num bosque
ou numa floresta
esconder-se atrás da árvore
sem nada dizer
sem se mexer...
Às vezes o pássaro chega logo mas pode ser também
que leve muitos anos
a pressa ou a lentidão do pássaro
nada tendo a ver 
com o sucesso do quadro
Quando o pássaro chegar
se chegar guardar o mais profundo silêncio
esperar que o pássaro entre na gaiola
e quando já estiver lá dentro
fechar lentamente a porta com o pincel
depois apagar uma a uma todas as grades
tendo o cuidado de não tocar numa única pena do pássaro
Fazer depois o desenho da árvore
escolhendo o mais belo galho
para o pássaro
pintar também a folhagem verde e a frescura do vento
a poeira do sol
e o barulho dos insetos pelo capim no calor do verão
e depois esperar que o pássaro queira cantar
Se o pássaro não cantar
mau sinal
sinal de que o quadro é ruim
mas se cantar bom sinal
sinal de que pode assiná-lo
Então você arranca delicadamente
uma das penas do pássaro
e escreve seu nome num canto do quadro.

Como anuncia o próprio título e conforme se constata por meio do vocábulo “pintar”, o poema intui um diálogo com outra forma de manifestação artística, a pintura, O tom da linguagem é descritivo, em cada verso o leitor vai percebendo as etapas da criação artística e, ao final, tem o quadro como resultado desse processo de criação.
Observa-se que, internamente, a relação sintática entre os versos se constrói por meio dos vocábulos “primeiro”, “depois”, “quando” e “então”, os quais estabelecem coesão do ponto de vista gramatical.
A voz do poeta é explícita, ele utiliza a forma imperativa para se dirigir diretamente ao leitor, que é instruído sobre as etapas de produção artística, e convoca-o como um (co)laborador desse processo de criação, ou seja, é convidado a “colocar a mão na massa”. É dessa forma que o poeta promove o conhecimento do fazer artístico, que se estabelece na relação intertextual do poema com a pintura.
O quadro, resultado desse processo, é fictício, assim como o texto literário, pois pintura e literatura constituem uma representação da realidade dos fatos que são ali apresentados. O poeta Mário Quintana, em O retrato de Eurídice, diz que “se tivesse o dom da pintura, seria um pintor lírico”, retomando o conceito de mimese de Aristóteles. Ele afirma que o trabalho de criação artística não se limita apenas a uma “fotografia” da realidade, mas a uma forma de representação dessa realidade.
Recorrendo a uma das sete formas de manifestação artística – a pintura - Jacques Prévert descreve o processo de concepção artística em dois planos que se entrelaçam. No primeiro, o poeta verbaliza as etapas da pintura de um quadro, por meio da linguagem poética, que é representada por versos, repetições e imagens. O leitor, por sua vez, concretiza visualmente, no segundo plano, o objeto “capturado” pelo pintor, que é ali representado pela imagem do pássaro dentro da gaiola. A aproximação do objeto com o real ocorre quando o artista apaga cada uma de todas as grades dessa gaiola, restando-lhe apenas o pássaro que é a imagem mais fiel de seu objeto.
Horácio, poeta latino do século I, estabeleceu relação da pintura com a poesia, visto que as duas se aproximam muito pela forma de representação e são, portanto, consideradas artes miméticas. Jacques Prévert busca essa mesma relação ao “pintar” um quadro em seu poema., no entanto, a imagem não pode substituir o ser. O poeta busca por meio da experiência sensorial (audição, visão e tato) revelar a essência de seu objeto que, no texto, é representada pelo “canto do pássaro”, pela “poeira do sol”, “pela frescura do vento”, pelo “calor do verão” e pelo “barulho dos insetos”.Esses elementos, os quais fazem parte da “paisagem” do quadro, só podem ser captados pelos sentidos e constituem um verdadeiro desafio tanto para o pintor quanto para o leitor,
Para o poeta latino, a poesia se caracteriza, essencialmente, por sua natureza imagética “ut pictura poesis”, assim como se pode observar no poema de Jacques Prévert,  nele é possível realizar atividades de leitura com o objetivo de levar o aluno a estabelecer essa mesma relação dialógica entre as duas formas de manifestação artística e a compreender os elementos lingüísticos imagéticos que devem despertar a sua sensibilidade de leitor. Mas, o contato que o aluno tem com a obra literária, na escola, é sistemático. A forma como ocorre a mediação com textos que privilegiam a fruição estética, os clássicos da literatura, contribui para que o estudante distancie cada vez mais do objetivo de uma leitura que leve o indivíduo ao conhecimento. O professor, muitas vezes alheio ao seu papel de leitor crítico e conhecedor dos problemas que envolvem o ensino da leitura literária, é submetido aos manuais preparados pelas editoras e à proposta curricular de órgãos oficiais da educação municipal e estadual, que impõem leituras de clássicos sem a devida contextualização histórica dos estilos de época.
Pode-se dizer que a tão sonhada leitura “solitária”, espontânea, não advém de um ensino mais ou menos tradicional, mas do modo como os clássicos da literatura nacional e universal são introduzidos no ambiente escolar, não devendo esquecer-se de que é possível desenvolver a leitura prazerosa já nas séries iniciais, utilizando adaptações desses mesmos clássicos, a fim de que o aluno conheça as obras, mesmo que adequada à sua linguagem. O ensino médio corresponde à última etapa de um processo em que o leitor já deveria ter condições de atuar como sujeito de sua leitura e também já apresentar um maior domínio da linguagem literária., mas isso, infelizmente, não acontece,
Os impasses entre escola e leitura literária precisam ser, urgentemente, resolvidos; caso contrário, a relação do aluno com o texto literário tende a se tornar cada vez mais conflituosa e distante.

Referências Bibliográficas

BARBOSA, J. A. A literatura como conhecimento: leitura e releituras. In: A Biblioteca Imaginária. 2ª ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003.
BARTHES, R. O prazer do texto. Trad. J. Ginsburg. São Paulo: Perspectiva, 1993.
BLOOM, H. Por que ler? In: Como e por que ler. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
CALVINO, I. Por que ler os clássicos. In:_________ Por que ler os clássicos, São Paulo. Companhia das Ledtras, 1993.
HORÁCIO, A arte poética. Lisboa: Clássica Editora, s/d.
MATOS, O. Democracia midiática e República cultural. In: Discretas experiências – reflexões filosóficas sobre o mundo contemporâneo. São Paulo: Nova Alexandria, 2006.
QUINTANA, M. Da preguiça como método de trabalho. Rio de Janeiro: Globo, 1987, p.93-4.
SARAIVA, Juracy Assmann. Por que e como ler textos literários. In: SARAIVA,
Juracy Assmann; MÜGGE, Ernani. [et al] Literatura na escola: propostas para o
Ensino Fundamental. Porto Alegre: Artimed, 2006.


[1] Barthes considera dois tipos de texto: o do prazer, aquele que contenta, provoca euforia e vem da cultura, sem romper com ela; o da fruição, aquele que põe em estado de perda e desconforta (O prazer do texto, 1977, p.21-22)

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

NORMAS PARA PUBLICAÇÕES


1 Normas gerais
As normas para publicação da (RE)VISTA de Letras e Pedagogia Dom Bosco  seguem o padrão da ABNT.

- Idioma
Os trabalhos deverão ser digitados em português e apresentar um resumo que precede o texto e, logo em seguida, a tradução do resumo, para o inglês (abstract).

v  Tipos de trabalhos científicos
-        Artigos inéditos no Brasil. Em caso de divulgação prévia sob forma de palestra, comunicações, etc., informar em nota à parte;
-        Comunicações ou notas, contendo uma ou várias informações científicas novas, detalhadas ou não, com a finalidade de comunicar pesquisa em andamento;
-        Resumos de trabalhos publicados (livros, dissertações, teses, etc.);
-        Resenhas.

v  Título
-        Deve ser escrito de forma clara e objetiva, na mesma língua do texto;
-        Pode ser acompanhado de um subtítulo;
-        Deve-se evitar título extenso, abreviações, parênteses e fórmulas que dificultem a compreensão.

v  Autores
Os nomes dos autores devem ser na ordem direta.

v  Credenciais
Indicar o cargo que ocupa, instituição a que pertence e/ou formação acadêmica.



v  Resumo / Abstract
Deve ser escrito em até 10 (dez) linhas e expressar a proposição do trabalho. O abstract consiste na tradução do resumo para a língua inglesa.

v  Palavras-chave / Key-words

Deve-se fazer uma relação de 3 até 5 (cinco) palavras representativas do assunto tratado no trabalho, separadas entre si por ponto e vírgula(;).

v  Texto
De modo geral, o texto deve ter introdução, desenvolvimento e conclusão, podendo ou não conter subtítulos, de acordo com o tamanho do texto. Os textos pequenos não precisam, necessariamente, conter subdivisões. Para os textos maiores é recomendada a utilização de subtítulos de modo que a leitura não se torne cansativa a leitura. Os casos especiais deverão ser esclarecidos diretamente com o Conselho da Revista. Em caso de pesquisas de campo, o artigo científico deve seguir a ordem: introdução, material e método, resultados, discussão e conclusão.

v  Notas
Chama-se notas apenas as informações explicativas (comentários/observações dos autores ou outras informações). Elas devem ser colocadas ao final do texto, em espaço simples (1.0), com fonte 7 (sete). Para separar as notas entre si, usa-se espaço simples (1.0). As remissões para as notas devem ser feitas por algarismos arábicos na entrelinha superior do texto, imediatamente após a palavra ou expressão que se quer referenciar.

v  Pós-texto
Anexos ou apêndices (materiais complementares serão incluídos apenas quando imprescindíveis à compreensão do texto), deverão ser colocados imediatamente antes das referências.

v  Referências
Item 4.


2 Apresentação dos originais
O trabalho deve ser enviado no formato Word for Windows, alinhamento justificado, obedecendo aos seguintes padrões:
-        texto – 12
-        espaço: simples (1.0)

3 Citações

v  Citações com menos de 3 (três) linhas
As citações em língua estrangeira devem ser traduzidas como notas. As citações com menos de 3 (três) linhas deverão ser feitas no corpo do próprio texto, destacadas por aspas em caso de citações diretas, seguidas da referência bibliográfica simplificada (item 4). Citações diretas são transcrições literais que devem especificar a página. Ex:
Numa outra definição, violência é a “qualidade de violento; ato violento; constrangimento; emprego de força; ato de violentar” (BUENO, 1980, p. 498).

v  Citações com mais de 3 (três) linhas
As citações com mais de 3 (três) linhas deverão ser feitas de modo especial: parágrafo isolado, recuo de 4 cm da margem esquerda, margem direita acompanhando o texto, sem aspas, corpo 9 (nove). Ex:

“No entanto, não são apenas essas as práticas que ocorrem. O tapa como corretivo pode evoluir para verdadeiros espancamentos, onde o limite tende a sempre se exceder.

Os assassinatos, torturas e maus-tratos a que estes [crianças e adolescentes] são violentamente submetidos têm-se apresentado com um certo caráter de normalidade... tais ações [contudo] não são cometidas de forma individual, mas são conseqüências de um imaginário construído historicamente que concebe a violência como elemento estruturador e organizador das relações sociais... (ROURE, 1996, p. 23).

Essa violência que é praticada contra crianças e adolescentes faz parte de um ideário que perpassa todas as relações na sociedade brasileira: o do poder”.


4 Referências

 As referências ao final do texto deverão ser feitas de forma completa, contendo todos os elementos exigidos pela ABNT, conforme exemplos a seguir:

-        Citação de livro com apenas um autor
FALCON, F. J. C. Mercantilismo e transição.14. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.

-        Citação de livro com dois autores
MARCONI, M. A.; PRESOTTO, Z. M. N. Antropologia: uma introdução. 4. ed. São Paulo: Atlas, 1998.

-        Citação de livro com mais de dois autores
OLIVEIRA, A. S., et al. Introdução ao pensamento filosófico. 6. ed. São Paulo: Loyola, 1998.

-        Citação de capítulo de livro
PEREIRA, T. S. A convenção e o estatuto. In: MARCONI, M. A (coord.). Estatuto da criança e do adolescente: lei 8.069/90: estudos sócio-jurídicos. Rio de Janeiro: Renovar, 1992, p. 64-115.

-        Citação de artigo de jornal
ESCÓSSIA. F. 40% das crianças do país são pobres. Folha de São Paulo, São Paulo, 18 nov. 1997. Cotidiano, p. 1.

-        Citação de artigo de Revista
JOHNSON, P. O islã na mira. Veja, São Paulo, ano 34, nº 38, p. 9-13, 26 set. 2001.

-        Citação de artigo de jornal na Internet
MOREIRA, E. C. Hipocondria por procuração em crianças: relato de dois casos. Jornal de Pediatria, [S.l.], 1999. Disponível em: <http://www.sbp.com.br/jornal/99-09.10/relcas3.html>. Acesso em: 24 jun. 2001.


5 Ilustrações
Os autores podem enviar seus trabalhos acompanhados de um desenho ou uma foto ilustrativa (em caso de fotos ou desenhos de terceiros é obrigatória a apresentação de autorização para publicação. Tal declaração pode ser obtida junto à Coordenação da Revista).

v  Proporções das ilustrações
-        A foto ou desenho ilustrativo faz parte da abertura do artigo e será publicada em página cheia (18x25 cm.);     
-        A imagem deve ter um tamanho aproximado de 18x15 cm. e ser monocromática, em arquivo jpg, com uma resolução de 92 dpi


6 Gráficos, tabelas e figuras


v  Imagem de corpo de texto
-        Imagens de corpo de texto devem ter um tamanho máximo de 12x21 cm e estar em arquivo tipo jpg, monocromático, com resolução mínima de 92 dpi, separado do texto.
-        A posição das imagens no corpo do texto deve ser indicada pelo autor, em linha separada, da seguinte forma:

[figura: nome do arquivo.jpg ]


7 Direitos Autorais
Os direitos autorais dos artigos publicados pertencem à (RE)VISTA de LETRAS e PEDAGOGIA DOM BOSCO. A reprodução total dos artigos desta revista em outras publicações, ou para qualquer outra utilidade, está condicionada à autorização, por escrito (carta de encaminhamento da revista).


8 Observações finais
O uso de aspas deve ser restrito aos casos de citações com menos de 3 (três) linhas.

v  Destaque e diferenciações de palavras
Os nomes científicos de espécies, as palavras em outros idiomas, o termo que se quer enfatizar, etc., devem ser grafados em itálico, sem aspas.

9 Anexo

Somente quando contiverem informação original importante, ou destacamento indispensável à compreensão de alguma seção do trabalho. Recomenda-se evitar anexos.

10 Forma de envio

Os trabalhos poderão ser encaminhados via e-mail para: faeca.revista@yahoo.com.br 
Esclarecemos que os trabalhos serão enacaminhados a pareceristas ad hoc para análise e julgamento. Quer sejam aceitos ou não, caberá à revista divulgar a carta de aceite ao autor ou justificar a causa da recusa.